Quem é Joana Latino?
Se fosse possível retirar de cada cronista os seus defeitos – a incompetência, a incapacidade de perceber os temas que aborda, a ausência de criatividade na escrita e por aí fora – e se os juntasse todos sob uma voz enjoada e mais ou menos feminina, essa repelente mistura chamar-se-ia Joana Latino.
Joana Latino é a assinatura das crónicas mais intragáveis que passam na televisão nacional. O jornalismo em Portugal não é normalmente muito bom, talvez porque os jornalistas se copiem uns aos outros naquilo que têm de pior, ou talvez porque não tenham gosto ou talento. O formato extenso e melodramático dos nossos telejornais, em particular, não ajuda muito. Quando se tenta fazer de um telejornal um espaço de entretenimento em vez de notícias algo se perde, algo como o bom jornalismo. Obriga-se a que cada reportagem tenha algo de fantástico e criativo – ou seja, força-se os jornalistas a fazer exactamente o que não sabem fazer. E os resultados são às vezes cómicos, outras vezes apenas estúpidos.
Em tudo há, porém, alguém que ultrapassa os seus competidores e faz algo de realmente impensável. Nas áreas que exigem capacidade intelectual ou artística são chamados génios. Mas no jornalismo português, apesar de lhes quererem chamar veículos de estupidez, esgotos de desinformação ou distribuidores de estrume, o único nome deveras justo é Joana Latino.
O trabalho de Joana Latino distancia-se em muito dos outros na mesquinhez, na estupidez e na ausência de gosto. Aquilo que escreve está perto de um delírio causado por uma bebedeira ou LSD, com a diferença de não possuir qualquer gosto. De facto é extraordinário que alguém consiga escrever tanto sem que uma frase sequer revele um pouco de análise, critério ou saúde mental. É um feito que outros tentam sem sucesso. Outros tentam, mas mais tarde ou mais cedo resvalam na escrita de uma frase dúbia, que pode ser interpretada como tendo sido realmente pensada por um cérebro e não vomitada por um estômago. Joana Latino não tem nenhuma frase dessa categoria, e mesmo que um dia venha a ter ela estará inserida num texto tão doente que será contaminada pelo contexto. Entre aquilo que escreve, na verdade, os próprios pontos e vírgulas parecem deixados por um tuberculoso após palitar os dentes.
A grande sorte de Joana Latino, que corresponde por ironia ao grande azar do jornalismo, foi a extraordinária formação que possuiu, que lhe ensinou que existe uma grande quantidade de teclas existentes nos computadores. Antes disso, para fazer justiça à sua actividade mental, Joana Latino usava a quantidade ideal de teclas, ou seja, apenas a barra de espaços. Hoje a sua ambição parece não ter limite, infelizmente. E como é Natal deixo uma sugestão positiva: acredito, porque sou um optimista, que Joana Latino melhoraria muito, podendo chegar até a ser uma jornalista a sério, se voltasse a usar apenas a barra de espaços.
Mas vamos a um caso prático. Joana Latino assina uma crónica chamada “Mundo Perfeito” no Jornal da Meia-Noite da SIC Notícias. Qualquer delas serve de exemplo, mas usarei aqui a de 14/12, a propósito do Natal. Joana Latino começa assim:
Já se acenderam as luzes que marcam a abertura oficial da época de Natal. Mas não será este um presente envenenado? Gastar electricidade sem limite em nome da Paz e do amor?
Um início, como ela diria, brilhante, porque “brilhantes” também são as luzes. Joana Latino faz associações mais despropositadas que uma criança de 3 anos. Julgando que o que faz é uma mistura de arte com crónica ao mais alto nível, a jornalista não tem medo de exagerar: a electricidade é gasta “sem limite” tal como a sua falta de jeito.
O planeta só agradece quando a iluminação é verde.
Eis uma afirmação que mostra bem as associações de Joana Latino. Ecologia, verde, planeta, e como verde é uma cor, e a iluminação pode ser verde (não era nas imagens, mas o que é uma pequena imprecisão se a criatividade é “sem limite”?), a associação é tão directa como um choque eléctrico. O planeta agradece a Joana Latino, dentro da sua cabeça, como nos livros infantis. Livros infantis, Natal, Ceia dos Pobres, pobres de espírito, atrasados mentais, atrasados mentais mentecaptos e emproados, jornalistas, Joana Latino. A sinestesia, que para um poeta pode ser ouro, para a Joana Latino é sinónimo de doença mental grave.
Por isso fica a sugestão japonesa para um Mundo Perfeito – utilizar uma enguia eléctrica para fazer piscar as lâmpadas decorativas. Os peixes até duram alguns anos, logo podem ser reaproveitados na decoração do pinheiro natalício. E às tantas até podem fazer parte das nossas ceias e acabar reformadas numa bela caldeirada de enguias.
Repare-se, finalmente, no conteúdo da notícia: a ideia japonesa de usar enguias para alimentar as luzes natalícias. Joana Latino não poupa esforços para destruir “sem limite” esta ideia tornando-a tão mesquinha como as suas crónicas. Numa série de associações que só ela consegue, pega na ideia de peixes para insinuar, primeiro, que são seres vivos e podem ser reaproveitados, e depois, cortando abruptamente a sequência lógica, terminar dizendo que podem ser cozinhados, com uma referência à gastronomia portuguesa que não faz sentido nenhum. A ideia japonesa perde-se numa caldeirada de enguias e Joana Latino mal começou a sua devastação.
E não ficam por aqui as sugestões originais. Outro mal do Natal está nas estradas e obriga as polícias de todo o Mundo a horas extraordinárias. Perfeito seria se os polícias se vestissem a rigor para a época e adoptassem a moda filipina em que das fardas passa a fazer parte um chapéu de Pai Natal. Divertiam-se os polícias a brincar ao Carnaval, que também pode ser quando cada um de nós quiser. Vestidos assim, admitam lá, as forças da autoridade ficam… de parar o trânsito.
É muito difícil ler uma coisa destas. É demasiado grotesco, mesmo para um país que se assemelha a um hospício. Joana Latino identifica um mal do Natal: as horas extraordinárias dos polícias. E atira logo a seguir a solução: os polícias usarem chapéus de Pai Natal. A ligação lógica entre as duas coisas é como a de Joana Latino com o bom senso: não existe em absoluto. Faz a seguir uma referência despropositada ao Carnaval, talvez por ter visto um vizinho no Carnaval a usar um barrete de Pai Natal (não podemos saber, felizmente), e fecha com uma expressão primária, “de parar o trânsito”, com uma falta de gosto “sem limites”.
Nos Estados Unidos a tradição não espera pela tradicional época, de viajantes a caminho da reunião de famílias, para dar outra cor às estradas. O que em Portugal ficou conhecido em tempos por “cabeça de giz” – o polícia sinaleiro – é, em Rohde Island um cabeça de alho chocho, com pernas de enguia. E tal como o peixe este homem tem um papel importante. Poupa a electricidade necessária para alimentar os semáforos, fazendo um bailado inconfundível para orientar os carros nos cruzamentos. E anima qualquer condutor aborrecido com o trânsito.
A comparação da sua pequena realidade mental a tudo o que vai conhecendo do resto do mundo parece inevitável. Tal como as enguias japonesas davam uma caldeirada (note-se a referência ao “peixe” no texto), o polícia de Rohde Island é parecido com o polícia sinaleiro português se trocarmos “giz” por “alho chocho”. A notícia é, na verdade, sobre um polícia sinaleiro acrobata em Rhode Island, mas toda a piada que isso poderia ter é consumida pelo buraco negro que é a cabeça de Joana Latino, sempre ocupado a sugar toda a ideia e acontecimento para a mediocridade. A ligação ao resto do texto, que não existiria numa mente lógica, é executada de maneira subtil: por um lado temos o peixe, que é a enguia japonesa do primeiro parágrafo, porque tem um papel importante como este homem (bastantes coisas em comum, portanto) e depois a referência à poupança de energia, também do primeiro parágrafo – Joana Latino julga que os polícias sinaleiros foram inventados depois dos semáforos, para os poupar.
Poluentes são quase todos os veículos indianos. Mas merecem perdão por nos proporcionarem o divertimento de que precisamos, todos os dias, para acreditarmos que se pode sobreviver ao poço de consumismo que é o Natal. Estes senhores arriscam a morte neste rodopio. Em Portugal esta proeza faz-se sobre duas rodas. Em Pushkar o poço da morte faz-se com veículos de 4 rodas, ao estilo Bollywood.
Joana Latino tenta aqui fazer a ligação entre um poço da morte indiano em que entram carros, o Natal e uma vez mais a ecologia. Como é que o consegue? Começa por referir quase todos os veículos indianos, já que os do poço da morte são também veículos, e diz que são poluentes. Poluentes, mas merecem perdão porque nos proporcionam divertimento (“nos” proporcionam… sim, porque toda a gente em Portugal acompanha o poço da morte de Pushkar). E de repente Joana Latino já não está a falar de quase todos os veículos indianos, mas apenas os do poço da morte (apareciam dois nas imagens). Ligado. Delirante.
Esta foi a ligação aos veículos. Mas não bastando existe ainda a ligação ao poço. O poço da morte lembra à jornalista o “poço de consumismo que é o Natal”. Podia lembrar-lhe o “Poço e o Pêndulo”, de Allan Poe, se antes estivesse um parágrafo sobre relógios ou baloiços, por exemplo, ou então o poço de estupidez onde atulharam, irremediavelmente misturados, os conteúdos do seu cérebro.
O que não dava seguramente um filme indiano era 13 mil irlandeses vestirem-se de Pai Natal. O que deu foi a conquista de um Recorde do Guiness, aquele livro que regista todas as proezas que mostram a falta de inteligência do homem, e da mulher, neste planeta. O único mérito da iniciativa é ter servido também para angariar fundos para várias instituições de apoio a crianças com cancro.
Esta ligação ao parágrafo anterior é ainda melhor. Atente-se na lógica: 13 mil irlandeses vestidos de Pai Natal têm relação com o poço da morte – porque não davam um filme indiano. É mais ou menos como dizer que o que A e B têm em comum é não terem nada em comum. Para quê dizê-lo? Mas Joana Latino parece achar vital uma ligação qualquer entre assuntos que não têm nenhuma e não poupa esforços para o conseguir. Não é seguramente a lógica, o bom gosto ou a maturidade jornalística que a vão impedir. Ela pisa e desfaz todas essas superficialidades com os seus fortes cascos e segue em frente.
Mas vejamos o resto do texto. Joana Latino diz que o livro dos Recordes do Guiness “regista todas as proezas que mostram a falta de inteligência do homem e da mulher”, tendo necessidade de precisar que tal se dá “neste planeta”. O conhecimento de Joana Latino é extenso, sem dúvida, dado que se extende além da própria Terra, e não podemos duvidar quando diz que todos, absolutamente todos, os recordes do Guiness são provas de falta de inteligência. Podemos apenas, na nossa pequenez humilde, atestar mais um defeito do livro dos Recordes – o de não incluir, ainda, as crónicas desta jornalista na categoria das aberrações.
E, já se sabe, nenhum Mundo é Perfeito sem os miúdos. Por isso, já que é Natal, que ninguém leve a mal se eles comerem doces a mais. Nem se tiverem mais olhos que barriga e acharem ser capazes de comer mais de 3 toneladas de bolo. Na Alemanha fez-se o verdadeiro Rei, digno de um Feliz Natal. Um Stollen com 4 metros e meio de comprimento e 3 mil e trezentos quilos de calorias. Foi vendido às fatias e comido com gosto por quem soube que parte do dinheiro foi para caridade. E colocou Dresden no capítulo culinário do Guiness.
Aqui Joana tem a difícil tarefa de mudar o assunto para um bolo de 3300 quilos. Como é que o faz? Como sempre, sem pudor nem lógica. Lembra-se que o espaço se chama “Mundo Perfeito” e que as crianças gostam de bolos. Isso chega. Juntando tais peças, basta-lhe sugerir que um mundo perfeito tem de ter crianças e que ninguém deve levar a mal que elas queiram comer mais de 3 toneladas de bolo. Está feita a transição, apesar da notícia não ter nada a ver com a vontade das crianças. Joana Latino descreve brevemente o bolo decorando o seu texto com associações difíceis entre rei-bolo e bolo-rei e natal feliz com feliz natal. E como se documenta muito bem acrescenta, com segurança, que o bolo foi comido com gosto por quem soube que parte do dinheiro foi para caridade. Os outros devem tê-lo vomitado ou morrido intoxicados, porque a caridade, para a jornalista, é um elemento essencial do sistema digestivo.
E depois da comezaina, toca a mexer. A ideia dos húngaros foi fazer uma corrida de Pais Natal, mas acabou numa maratona de pouca roupa. Das duas uma, ou as fatiotas deixaram de servir por causa dos excessos alimentares natalícios, ou ficaram os corredores com os calores depois de muitos brindes. Seja como for, correram quase nus os participantes numa acção de apoio à equipa paralímpica húngara e estão neste momento a fazer rir quem estiver a ler esta crónica sobre idiotices.
Podia pensar-se que, depois de tanta asneira, não seria possível piorar. Quem pense assim subavalia as capacidades de Joana Latino. A transição aqui é rápida como um pontapé: como falou de pessoas a comerem toneladas de bolo no parágrafo anterior, agora falará de gente que vai correr para perder calorias ou fazer melhor a digestão (todas as hipóteses estão em aberto quando se fala de Joana Latino), apesar de não serem as mesmas pessoas, mas isso é mais um pormenor. Neste caso é uma corrida de pouca roupa na Hungria para apoiar os paralímpicos. Joana Latino não compreende exactamente a razão de estarem sem roupa, mas o seu espírito científico resume as hipóteses a apenas duas: 1 – as centenas de pessoas que participaram na maratona comeram tantos doces que engordaram e as roupas deixaram de servir (deduz-se, também, que não tiveram tempo de comprar roupas com tamanho acima), apesar de as imagens não apresentarem muitos gordos; ou 2 – as pessoas fizeram tantos brindes que ficaram com calor e tiveram de se despir, todas.
Não cabe mais nenhuma possibilidade no crâneo de Joana Latino. Talvez porque 1 – tenha cometido tantos excessos natalícios que o cérebro ficou a abarrotar de gordura ou 2 – porque fez tantos brindes antes de escrever a crónica que o calor derreteu as outras hipóteses.
A última frase é demente: diz ela que os participantes “estão neste momento a fazer rir quem estiver a ler esta crónica sobre idiotices”. É de facto uma frase cómica, mas não pelos motivos com que Joana se convence a si mesma. É cómica por dois motivos: por um lado, Joana Latino acha que faz rir alguém, por outro, a crónica não é sobre idiotices – a crónica é ela própria uma grande idiotice e não uma crónica.
Num Mundo Perfeito o Natal seria assim: sem gastos desnecessários, sem polícias sérios para evitar deslizes nas estradas, com doces em fartura e correrias apenas para deitar abaixo o que ficou a mais na cintura.
Num mundo perfeito a Joana Latino teria nascido antes das gravuras rupestres.
Num mundo perfeito os mentecaptos não chegariam a jornalistas.
Num mundo perfeito a Joana Latino seria um pedregulho também por fora.